Escolas de Sabedoria - parte3 - REV2
- Alexei Caio
- 13 de ago. de 2020
- 11 min de leitura
Atualizado: 17 de ago. de 2020
Observações fundamentais para a propagação/divulgação do material nos posts a seguir "Escolas de Sabedoria".
A origem deste material esta inserida numa apresentação em um contexto bem específico.
Por integridade minha faço menção desde contexto e por profunda gratidão à autora.
Fonte: Instituto Nokhooja
Existem vários níveis de objetivos mais imediatos que orientam a atuação de uma Escola na realidade. Eles dependem fundamentalmente do momento histórico em que a Escola está atuando e também do perfil dos indivíduos envolvidos.
Devemos lembrar que não existem regras básicas ou uma estruturação que se impõe de cima para baixo e que condiciona a atuação de uma Escola. O oposto disso é que é verdadeiro. Devemos considerar que na maioria das vezes as Escolas surgem justamente lutando contra ou tentando romper com estruturas por demais dogmáticas e estritas. Tanto que muitas vezes, as pessoas que entram em contato com uma Escola, se não sacrificarem suas próprias opiniões e visões limitadas de como uma Escola "deveria" atuar, elas não são capazes de se encaixar na proposta, por considerar que falta objetividade ou coerência em termos das técnicas desenvolvidas ou das propostas de atuação. Não devemos esquecer que a orientação de uma Escola de Sabedoria não surge de influências "horizontais", ou seja, elas não vêm da realidade, mas sim de um contato "vertical" que seja real e que justifique todo o processo.
E até que os participantes desenvolvam habilidades para viver esse tipo de conexão, eles devem se esforçar para não impor suas próprias expectativas e visões limitadas sobre o processo.
Um estudante deve se comportar como tal, pelo menos inicialmente. É contada uma história onde, um dia, um estudante chegou à porta de um mestre depois de ter caminhado vários dias, mas não foi aceito por ele. Tamanho foi seu desalento em não ter sido recebido que ele sentou-se na soleira da porta do mestre e ficou ali sem saber o que fazer. De manhã, quando o professor saia de sua casa, ele encontrou o estudante ainda ali. Ele então o recebeu e o acolheu como um de seus discípulos mais importantes. Mais tarde ele comentou: "Sempre que saio de casa olho para a soleira da porta. Nunca mais vi um dervixe com sua cabeça no chão. Atualmente é muito difícil encontrar um discípulo real. Hoje todos acreditam serem mestres." E o estudante desta história é dito ser ninguém menos que Baha al-din Naqshbandi, um dos maiores expoentes do Sufismo.
Podemos dizer que por trás das funções mais elevadas das Escolas de Sabedoria encontra-se a idéia de que a Escola e as pessoas envolvidas devem procurar satisfazer o Criador, ou seja, elas devem atuar de tal forma que o Criador se sinta satisfeito com elas. Porém, isso se expressa em vários níveis na realidade. Dentro da história encontramos descrições de grandes mestres que são chamados de Qtubs ou de Pilares da Criação cuja mera existência é em si uma fonte de satisfação para o Criador. Desses, se diz que seu único objetivo consiste em estar satisfeito com o Absoluto, sem exigir nada, sem oferecer nada, mas apenas estar diante da Presença Divina e viver num estado de intimidade e proximidade muito difícil de ser aquilatado pelas pessoas comuns que permanecem fora desse estado. Estes podem ser definidos como os Homens Perfeitos, ou seja, eles conseguem atingir o maior grau de Perfeição que lhes é possível; conseguem fazer desabrochar todas as suas potencialidades de tal forma que eles são capazes de atuar agora em sintonia com todos os Homens Perfeitos que existiram ao longo de todo o processo histórico e de todo o desenvolvimento da humanidade. Desta cadeia de relações nasce o conceito de linhagem ou, como é chamado dentro de algumas tradições, do "espírito do profetismo" onde os Profetas que existiram ao longo do tempo e da história são compreendidos como fazendo parte de uma cadeia de seres humanos cujos desdobramentos e atitudes influenciam toda a humanidade e atuam como modelos para cada ser humano. Cada homem e mulher deve buscar neles inspiração e conhecimento no sentido de empreender a mesma jornada em direção à evolução que lhes é possível.
Devemos compreender que cada ser humano criado possui a totalidade da "herança" divina e foi feito à imagem e semelhança do Criador. Nada impede que essa herança seja totalmente incorporada; nada impede nosso desenvolvimento em direção à Perfeição, a não ser que nos identifiquemos com nossos próprios véus e dúvidas. Nada nos afasta de nosso pleno desenvolvimento a não ser nós mesmos. E é nesse contexto que devemos compreender o papel maior das Escolas de Sabedoria em relação ao ser humano. Como já dissemos, existe um tipo de anseio por parte de toda a rede da realidade que consiste em fazer desabrochar a Perfeição inerente em cada ser, totalmente, anseio este que tem origem na efusão constante do Bem. Ou seja, quando damos um passo dentro desse caminho é como se Ele ou como se a Vontade dEle se tornasse absolutamente desvelada e atuante, e totalmente presente e direcionada a nós. Da parte dEle nunca existirá nenhum tipo de impedimento à nossa aproximação; existirá apenas, de forma constante, algo que podemos chamar de um "chamado" que o tempo todo preenche nossos corações com um anseio por aumentar nossa pureza, perfeição e qualidade intrínsecas. É como se nos aproximássemos de uma chama fulgurante que a cada passo se torna mais bela e luminosa e da qual é impossível afastar os olhos. Assim a cada novo conhecimento que as Escolas produzem e injetam na realidade ou no coração do homem que se abre para recebe-lo, maior se torna o anseio desse homem de se manter dentro dessa jornada de forma digna, verdadeira e plena. "É mais fácil alcançar a Deus que ter sucesso em qualquer tarefa mundana. Pois para conseguir um objeto no mundo, deve-se buscar antes de encontrar. Mas no caso de Deus, exaltado seja Ele, o encontro vem antes da busca, pois, sem que O tenhamos encontrado, como pode ser que teríamos a inclinação de busca-Lo?" (Mewlana Kashgari, citado em Shushud, mesma obra).
Porém não devemos imaginar que não existem dificuldades, idas e vindas, esquecimentos, dúvidas e angústias. Tudo isso faz parte do processo, só que a própria visão que passamos a ter desse tipo de sofrimento muda. Ele próprio passa a ser compreendido como mais uma chance de aprendizagem, mais uma forma de purificação e de lapidação do diamante que mora dentro de nossos corações. Porém, tudo isso se torna verdadeiro e é construído com o tempo e com a perseverança sobre as técnicas e conhecimentos oferecidos pela Escola a qual o indivíduo se associa até que, nos estágios finais, sejamos chamados, finalmente, à Presença de Deus, uma vez que o último passo depende Dele e não de nós..
Além do conceito do Homem Perfeito, as Escolas também atuam com aquilo que as tradições chamam do Homem Justo. As Escolas necessariamente buscam se adaptar no sentido de cumprir com as várias exigências que surgem em termos de promover a satisfação do Criador para com a sua criação. Os Homens Justos são aqueles que apesar de buscarem atingir a Perfeição, buscam também e principalmente, atuar de forma a permitir que haja uma manutenção das energias de toda a criação, no sentido de perpetuar sua continuidade de forma harmônica e equilibrada.
Eles são chamados Justos porque esta é a sua forma de atuação e porque esta é a capacidade que eles desenvolveram, ou seja, eles são capazes de perceber qual é a atitude justa (no sentido de justeza ou precisão) para suprir as necessidades que existem na criação, de tal forma a mantê-la em harmonia com a Vontade Divina. É através dos Homens Justos que as Escolas atuarão dentro da realidade.
Os Justos serão os responsáveis pela manutenção adequada da criação em termos de suas trocas de energia e desenvolvimento pleno. Eles atuarão no sentido de abrir as portas para que o conhecimento necessário esteja sempre à disposição no momento preciso e da forma adequada. Eles sempre atuarão de acordo com as necessidades do momento presente. Poderá haver dois tipos de atuação: numa os indivíduos envolvidos com a Escola atuarão no sentido de suprir as necessidades que surgirem da forma como elas se apresentarem e, neste caso, quando este é o foco principal da Escola em questão, podemos dizer que estamos diante de uma Escola de Discípulos. Quando os indivíduos envolvidos além de atuarem no sentido de cumprir com as demandas da realidade, também se dispõem a formar novos indivíduos que também atuarão quando atingirem um estado mais desenvolvido, dizemos que nesse caso estamos diante de uma Escola de Mestres. Será a necessidade e as oportunidades do momento presente que definirão se uma Escola será de um tipo ou de outro. Ou seja, essa forma de atuação surgirá não pela vontade das pessoas envolvidas, mas sim como resultado de uma série de elementos presentes na realidade.
Aprofundando ainda mais essa discussão, podemos dizer que o objetivo mais elevado e principal de uma Escola consiste em promover o 'retorno' do conhecimento presente na criação de volta ao Criador. Existe uma frase geralmente citada no Trabalho, onde o Absoluto teria dito: "Eu era um tesouro escondido e então amei ser conhecido, por isso, fiz a criação." (Hadit Qudsi). Com essa frase busca-se compreender que a criação como um todo, foi gerada para que o Absoluto tivesse um espelho no qual contemplar-se e vir portanto a se conhecer plenamente. As Escolas de Sabedoria estariam alinhadas com esse objetivo último, que jaz na base de todo o processo de busca e aquisição de um desenvolvimento espiritual. Ou seja, a busca por um aperfeiçoamento apresenta um componente que transcende os aspectos puramente pessoais. Ela está de acordo com uma função maior da criação frente ao Criador. Por isso, existe dentro da tradição sufi, o provérbio que diz: "Não se oferecem flores murchas ao amado". Ao buscar por um caminho de evolução e perfeição a criação como um todo, e principalmente o homem, demonstra seu conhecimento em relação a si mesmo e ao seu papel frente ao Criador. Este primeiro objetivo está portanto, associado a (e é dependente de que haja) uma total plenitude em termos da dimensão espiritual alcançada pelos participantes do processo.
É interessante notar que uma outra forma encontrada de se traduzir o trecho acima citado é o seguinte: "Eu era um tesouro escondido e desejei ser conhecido; então eu criei o Homem" (Nasr, S.H. 1991 Islamic Spirituality - Foundations. Crossroad). O Homem relacionado a este contexto pelo autor é ninguém menos que o Profeta Maomé, considerado como o arquétipo de Homem Perfeito pela tradição Sufi. Este homem, por ter desenvolvido todas as suas potencialidades plenamente, atinge um nível de ser onde ele pode agora atuar como um espelho perfeito. Ou colocando de outra forma, ele pode vir a estar em unidade com o Criador de tal forma que se cumpra a afirmação de que não existe nada além do próprio Absoluto, expressando-se em diferentes formas e aspectos, imerso dentro da criação. Citando o autor: "A Realidade, que é também por definição Perfeição absoluta, pode ter só uma obrigação, a obrigação de ser Ela Mesma. Isto implica em uma plenitude que, por sua natureza, 'irradia' ou 'transborda' externamente ou - usando uma imagem mais humana - deseja dar a Si Mesma. Isto não implica qualquer falta na Perfeição Divina mas, pelo contrário, se refere a uma dimensão particular desta Perfeição, enfatizando que a existência de qualquer coisa fora de ou separada do Absoluto - mesmo que só em aparência - seria incompreensível. O receptáculo predestinado do 'transbordamento' da Plenitude Divina é necessariamente passivo e necessariamente vazio de qualquer outro conteúdo. Neste contexto a humildade não é mais um conceito moral ou sentimental, mas nem mais nem menos que a atitude existencial mais favorável para qualquer um que deseja receber o que é dado. Na visão islâmica, o papel do Mensageiro de Deus - o papel de Maomé - é tanto ser o receptáculo perfeito quanto fornecer um modelo de perfeita receptividade."
Ainda da tradição sufi, podemos citar as seguintes afirmações: "Eu tenho ciúmes de mim mesmo por conhece-Lo, pois desejaria que ninguém mais além Dele pudesse conhece-Lo. Onde Seu conhecimento está, o que tenho eu a fazer ali? Este é verdadeiramente Seu desejo, que ninguém mais além dEle mesmo, possa vir a conhece-Lo.'" (Abu Yazid al-Bistami citado por Attar, Faradudin. 1966 Muslim saints and mystics. Arkan).
"A devoção alcança sua consumação quando o servo percebe que ele não é nada mais que o ponto de manifestação onde Deus, exaltado seja Ele, busca por Si Mesmo; quando ele percebe sua própria não existência, ele vê que nem a Essência, nem os atributos, nem as ações pertencem a ele, afinal." (Al- Ahrar citado por Shushud, mesma obra).
Desta forma, um segundo objetivo surge relacionado com a realização plena do potencial de consciência de cada nível do Raio de Criação. Podemos pensar que nós, seres humanos, possuímos vários graus de consciência, alguns, mais básicos, plenamente desenvolvidos, e outros, mais superiores, que poderão permanecer como potencialidades não desenvolvidas. As Escolas teriam como função, garantir que os conhecimentos relacionados com o desenvolvimento pleno da consciência estejam sempre à disposição nas sociedades, de tal forma que os seres humanos envolvidos possam atingir o grau de consciência que lhes é possível. Isso implica em seres humanos que possuem uma capacidade ampla de conhecer seu meio ambiente imediato, que são capazes de trafegar dentro desse meio e terem o domínio de seus processos. Podemos afirmar que tais indivíduos possuem uma realização plena em termos de sua dimensão psicológica.
Um terceiro objetivo que se desdobra do primeiro, seria o de estar a serviço e auxiliar no processo de manutenção recíproca das energias do Raio de Criação. O Raio de Criação, como já foi explicado em outras oportunidades, apresenta duas vias: uma que vai do Criador em direção à criação e outra que vai no sentido inverso. A primeira via pode ser chamada da via do Ser e a segunda da via do Retorno. A via do Ser é a que conduz ao aumento da entropia, do caos ou degeneração. É a via chamada também de involutiva, pois é a via mecânica ou do adormecimento. A segunda é a que conduz ao aumento da consciência da Unidade e portanto ela é chamada de evolutiva, ou a via do Trabalho. Devido à natureza especial da humanidade (principalmente sua localização no Raio de Criação), o ser humano é o único que pode optar entre essas duas vias. Quando ele opta pela primeira, seu destino se alinha ao da massa dos seres adormecidos; se ele opta pela segunda, ele passa a produzir uma série de energias que estabelecem um contraponto à energia produzida pela via involutiva, e passa a ter a chance de atuar como um foco que justifica a criação como um todo.
As Escolas de Sabedoria, conscientes da necessidade da manutenção do Raio de Criação, visam então disponibilizar as experiências necessárias à formação dos seres humanos que poderão atuar nesse nível e estar a serviço do Criador e da manutenção de Sua criação.
Agora, em termos dos objetivos mais externos, imediatos e aparentes, podemos dizer que eles dependem do momento considerado e das pessoas envolvidas. Nem sempre se situam numa esfera mística ou religiosa. Às vezes eles podem voltar-se a, por exemplo, promover um desenvolvimento humanístico, ou científico, ou das artes, ou filosófico, ou ecológico, etc.. Poderíamos citar vários exemplos aqui de como isso aconteceu ao longo da história, mas faremos isso num capítulo a parte, mais à frente. Chamamos apenas a atenção de que, qualquer que seja os objetivos que uma Escola assume em relação à sua atuação dentro da realidade, devemos considerar sempre que essa atuação é resultado de algo que acontece internamente, e que permanece oculto aos olhos da maioria das pessoas que não conseguem aquilatar o verdadeiro significado e as relações intrínsecas que ocorrem dentro dela.
Para terminar este tópico, devemos ainda definir duas instâncias que fazem parte das Escolas de Sabedoria. Uma é a definição de seu mito que consiste na própria idéia do Homem Perfeito e dos Justos, ou seja, existe uma dimensão de ser que é superiora e, cada ser humano deve ser capaz de buscar e alcançar sua evolução máxima possível. Os elementos necessários a isso deverão sempre estar a disposição na realidade de tal forma que, qualquer que seja o momento enfocado ou o ser humano em questão, ele deve ser capaz de através de seus esforços pessoais, conquistar tal objetivo. É por causa da busca pela manutenção deste mito e de sua expressão plena na realidade que sempre existiram e existirão Escolas atuando dentro da humanidade.
A segunda instância relaciona-se com o caráter mágico das Escola, às capacidades alcançadas e poderes exercidos por seus participantes, que dizem respeito a coisas como previsão de futuro, alterações mágicas da realidade, atuações à distância, mudança de estado emocional ou mental em indivíduos ou grupos de pessoas, etc.. Esse caráter que é incompreendido pelos observadores externos, na verdade, fundamenta-se na tradição que estrutura cada Escola. Essa tradição pode ser o Sufismo, por exemplo, com todos os seus Sheiqueis e homens Santos, ou o Quarto Caminho, com suas idéias nucleares, etc.. Seja qual for a tradição que estruture uma Escola e lhe confira seus poderes, existe toda uma série de técnicas bastante bem descritas e na maioria das vezes, muito sofisticadas que direcionam o indivíduo a despertar qualidades que são insuspeitas pela maioria dos homens comuns. O que para estes últimos permanece envolto em segredo e mistério, para os participantes da Escola que desenvolvem tais capacidades, consiste apenas em uma forma de relacionar-se com a realidade.

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