Escolas de Sabedoria - parte 2 - REV2
- Alexei Caio
- 12 de ago. de 2020
- 10 min de leitura
Atualizado: 17 de ago. de 2020
Observações fundamentais para a propagação/divulgação do material nos posts a seguir "Escolas de Sabedoria".
A origem deste material esta inserida numa apresentação em um contexto bem específico.
Por integridade minha faço menção desde contexto e por profunda gratidão à autora.
Fonte: Instituto Nokhooja
Uma Escola de Sabedoria é definida de forma mais interna como um veículo para a manifestação da Sabedoria no Raio de Criação. As Escolas visam perpetuar a Sabedoria que foi gerada ao longo de todo o processo de desenvolvimento da humanidade. Além de preservar esse conhecimento, elas visam expandi-lo de forma a possibilitar que ele avance junto com o próprio desenvolvimento da humanidade. Tudo isso, para que o conhecimento adequado esteja disponível quando houver necessidade dele.
Porém, para que possamos compreender esse conceito de forma mais profunda, devemos refletir sobre o que seria a Sabedoria em si e qual seria seu papel maior dentro da criação. A Sabedoria pode ser compreendida como tendo relação com um conjunto de atributos divinos que estão constantemente emanando do Criador em direção à criação. Podemos afirmar que a criação apenas é mantida devida a Vontade Divina e que ela é direcionada por essa Vontade constantemente, mesmo que ao homem comum não seja dada a capacidade de compreender o processo todo de forma clara. Dentro da tradição islâmica é dito que nem mesmo uma folha cai de uma árvore sem que isto seja resultado da Vontade do Absoluto. Assim, podemos considerar que a criação como um todo está submetida a um direcionamento superior que atua segundo regras que permanecem em sua maioria, ocultas ao homem e cujo conjunto é praticamente impossível de ser concebido.
Muitas tradições se debruçaram sobre estas questões ao longo do desenvolvimento da humanidade. Dentre elas, a tradição Hermética apresenta uma linguagem que pode nos ser útil em nossa tentativa de refletir o que seria a Sabedoria e qual seria seu papel de intermediária entre a Vontade de Absoluto e a criação. Nesta tradição encontramos freqüentemente o uso do conceito do Bem. O Bem pode ser compreendido como uma qualidade maior que emana do Criador em direção à criação.
Nos trabalhos da tradição Hermética o Bem é constantemente citado. Encontramos várias formas de definição, mas em linhas gerais, o Bem é equacionado com a própria atuação do Criador. Cada ato ou a própria criação nasce do Bem e ao mesmo tempo, é o Bem. "Saiba que Deus, o Pai, é da mesma natureza que o Bem; ou melhor, o trabalho de Deus, o Pai, é um só com o trabalho do Bem." (Scott W. 1993 Hermetica. Shambala). Vemos um eco disso na filosofia Ishraq do sheique Suhrawardi que afirma que: "O Ser Necessário é o Bem perfeito; eles o chamam de 'Provedor do Bem,' significando Benfeitor; nada é mais benéfico que Ele, e todas as coisas existem por Sua causa. Ele também é chamado de Provedor do Bem, porque todas as coisas o desejam. Nada é mais benéfico que Ele, e todas as coisas necessitam Dele e de Sua generosidade." (Suhrawardi, O Livro do Esplendor. NoKhooja, a ser editado em breve).
O homem tem um papel fundamental nesta tradição e uma relação muito especial com esse conceito. Segundo a tradição Hermética o homem pode vir a conhecer o Bem: "é uma propriedade do Bem que ele se torne conhecido por aquele que seja capaz de vê-lo." (Scott, obra citada). Porém, essa visão e conhecimento são transformadores uma vez que se misturam e dependem da busca humana por conhecer a Deus e essa transformação é em si, o objetivo maior da atuação do Bem sobre o ser humano. Ou seja, quando o homem busca conhecer a Deus ele conhece o significado do Bem e é transformado por esse conhecimento, e esta transformação é o que o Bem almeja em termos do desenvolvimento humano.
Segundo a tradição Hermética, não há bem maior que vir a conhecer a Deus. E esta deveria ser a meta de qualquer buscador. A busca por conhecimento e a busca pelo conhecimento a Deus se misturam e fundamentalmente, são a mesma. Nada se compara a essa experiência, e ao homem que trilha esse caminho, nada permanecerá oculto. "Nada do que existe é tão vasto quanto o coração daquele que conhece a Deus. O céu e a terra são ínfimas partículas comparadas com ele. Por isso é dito por nosso Senhor no Corão: `Eu não posso ser contido pela terra ou pelo céu que criei, mas há espaço suficiente para Mim no coração de Meu servo.`" (Atribuído a Baha al-din Naqshdandi. Citado por Shushud, H.L. 1983. Masters of Wisdom of Central Asia. Coombe Springs).
Quando o homem busca por atingir a Perfeição que lhe é possível, ele está seguindo um impulso que nasce da própria qualidade do Bem. Assim, o impulso que o move, a origem de sua existência e seu destino maior são conseqüências da própria atividade do Criador sobre a criação, que se manifesta através do Bem.
Na tradição Hermética a visão do Bem é descrita de uma forma muito poética e bela: "Aquele que apreendeu a beleza do Bem não pode apreender nada mais; aquele que a viu, não pode ver nada mais; ele não pode ouvir falar sobre nada mais; ele nem mesmo pode mover seu corpo; ele esquece todas as sensações e movimentos corporais, e está imóvel. Mas a beleza do Bem banha sua mente em luz, e toma toda sua alma para si, e a conduz para adiante do corpo, e muda o homem inteiro em uma substância eterna."
O Bem pode ser compreendido, portanto, como sendo uma espécie de emanação que banha a criação como um todo e que a coloca em contato com seu Criador. Da mesma forma, em termos humanos, o Bem é apreendido como se fosse uma forma de se estar intimamente em contato com o Criador e de apreender sua Presença. Cada vez que o homem atua na realidade consciente da qualidade do Bem que emana constantemente, ele atua em harmonia com a Vontade Divina, como se a esse homem, fosse dada a capacidade de servir de um intermediário ou co-participante da atuação do Bem na realidade. Dessa forma, a atitude do homem para com a criação acaba por implicar numa apreciação da própria Vontade do Criador. Porém, para que o homem atinja esse estado, ele próprio deve desenvolver suas potencialidades. Como citado acima, ele deve primeiro atingir sua perfeição possível e então vir a ser capaz de poder ter uma apreciação verdadeira da Presença de Deus na realidade. Nas palavras da tradição Hermética: "Nesta vida estamos ainda muito fracos para contemplar aquela visão; nós não temos força para abrir nossos olhos mentais, e ver a beleza do Bem, aquela beleza incorruptível sobre a qual nenhuma língua pode falar. Assim, você só a verá, quando você não puder falar disto, pois o conhecimento disto é um silêncio profundo..." (Scott, obra citada).
Devemos ainda enfatizar um detalhe. Apesar de usarmos em nossa linguagem o termo "a Vontade do Absoluto" não queremos dizer com isso, que a Ele está associado algum desejo ou necessidade. Sua Vontade é a efusão do próprio Bem. Devemos imaginar que Ele não necessita de nada e que a criação foi gerada como resultado de um transbordamento de Suas qualidades. E assim, a própria relação que existe entre criação e Criador é resultado desse transbordamento infinito e eterno, que acontece a todo o momento. Citando novamente Suhrawardi (mesma obra): "Saiba que o 'rico' na realidade é aquele que não requer nada em sua essência e atributos. Qualquer coisa que requeira algo a mais em essência ou atributos é 'pobre.' O verdadeiro 'Rei' é aquele que possui a essência de todas as coisas, mas cuja própria essência não pertence a nada mais. Assim, Reino e 'Riqueza' absoluta pertencem ao Ser Necessário, de quem todos necessitam em termos de existência e perfeição, enquanto que Ele não requer nada. Ele é o magnânimo absoluto; Ele provê sua bondade a qualquer coisa que dela necessite, não requerendo qualquer recompensa. Quem quer que seja que dê de modo a ser honrado ou elogiado, ou para não ser repreendido, ou para ser gratificado, não é o munificente absoluto, mas ao invés disto é um permutador: ele dá algo e toma algo em troca. O Ser Necessário, de qualquer forma, é absolutamente rico; portanto, Sua ação não é por uma razão, mas ao contrário, Sua ação em si é o puro Bem."
Dentro deste contexto é que podemos introduzir o conceito de Sabedoria e a atuação conjunta das Escolas. A Sabedoria deve ser compreendida como sendo um dos atributos divinos que atua em harmonia com o Bem. Para que o homem possa atingir a herança maior em termos do Bem que lhe cabe, ele deve buscar atingir a Perfeição possível a ele, e ele o faz através da Sabedoria.
Ou seja, se considerarmos o Bem como uma efusão ou transbordamento divino que gera a criação constantemente, podemos afirmar que o desejo maior desse Bem em relação à criação é que ela seja capaz de atingir seu grau maior de Perfeição, e assim perpetuar a si mesmo (o próprio Bem). A Sabedoria surge então, como uma ferramenta para que essa Perfeição seja alcançada.
Porém, a Sabedoria é multi-facetada. Ela se apresenta em vários níveis, por isso, as próprias Escolas que atuam no sentido de perpetuá-la e propagá-la acabam também por atuar em vários níveis, como dissemos acima, perseguindo vários objetivos que convergem sempre para o mesmo ponto: alinhar o homem com o seu Criador.
Assim, podemos afirmar que o conceito de Sabedoria evolui paralelamente ao próprio desenvolvimento do ser humano em questão. Ela pode vir a apresentar algumas gradações que dizem respeito ao trabalho que o indivíduo exerceu sobre si mesmo, o quanto seus véus foram retirados, e qual a apreciação que ele pode fazer tanto da realidade, quanto de si mesmo e de seu papel na criação, e sua relação com seu Criador.
Podemos dizer que inicialmente, a Sabedoria apresenta-se como uma apreciação da aparência das coisas, e desta apreciação pode surgir um conjunto de informações que se relacionam com a forma e funcionamento do objeto em estudo, seus componentes, histórico, etc.. Podemos dizer que muito do conhecimento humano baseia-se no acúmulo desse tipo de informação básica que busca descrever as características e funções de tudo o que há na realidade, sendo este um dos papéis fundamentais da ciência.
No entanto, o conhecimento acerca de algo pode evoluir até ultrapassar as aparências ou a utilidade. Desenvolve-se no sentido de possibilitar o conhecimento da causa última das coisas, acessando agora um nível de experimentação da realidade que transcende os aspectos meramente utilitários e descritivos dos objetos e outros seres. Com isso, a aquisição de conhecimento se volta à possibilidade de perceber que tudo está conectado às razões e propósitos que determinaram a geração de cada elemento. Nesse tipo de aprendizado o indivíduo em treinamento se aproxima de uma espécie de confluência, onde qualquer que seja o evento observado, ali pode ser encontrado o mesmo tipo de elemento causador, lembrando-nos do dito sufi "para onde quer que eu volte minha face, ali encontro a presença do amado."
Ou ainda, segundo Baha al-din Naqshbandi: "Se uma pessoa realmente conhece a divindade da Verdade, essa pessoa irá conhecer todas as outras coisas por revelação mística. Nenhuma realidade permanecerá oculta a ela, pois todas as coisas e todos os objetos de conhecimento são apenas aparência externa dos atributos e nomes de Deus, exaltado seja Ele." (Shushud, mesma obra citada).
Então, até mesmo este nível de conhecimento é transcendido e passa a extrapolar os referenciais estritamente pessoais, até atingir uma experiência unitiva, ou em outras palavras, o conhecimento do Uno por trás da multiplicidade. Neste estágio o indivíduo envolvido é capaz de atuar como um espelho polido onde a realidade reflete-se com perfeição. A própria individualidade cede espaço para que a Presença maior se expresse e ambas podem então viver em comunhão. Para ilustrar esse estado podemos citar uma afirmação de um dos grandes Sufis Khwajagans Al Isfahami: "Não deixe que nenhum traço teu permaneça, pois nesse tipo de esvaziamento reside a perfeição." (Shushud, mesma obra citada).
Os seres humanos que passam por esse tipo de processo são reconhecidos como tendo capacidades perceptivas e atitudes que se destacam das encontradas na maioria dos seres humanos. Eles são descritos como possuindo acesso a um nível de sabedoria único e em algumas tradições são chamados de "Mestres de Sabedoria" ou Qtubs. São esses seres humanos que então irão compor uma Escola, perceber as necessidades do momento e atuar de acordo e também assegurar que outras pessoas sejam conduzidas ao mesmo nível de ser experimentado por eles de forma a garantir a continuidade do processo evolutivo da humanidade. È importante frisar que esses Mestres são seres humanos que alcançaram seu pleno desenvolvimento. Diferente de algumas outras tradições, eles não são relacionados com "super seres" ou qualquer tipo de "entidades vaporosas" que se situam fora do nosso nível de realidade e de possibilidades.
Os Mestres de Sabedoria são freqüentemente associados na literatura com os Khwajagans cuja importância dentro do Sufismo está bastante bem documentada (Bennett, J.G. Os Mestres de Sabedoria, ed. Pensamento & Shushud, obra citada). São características de sua forma de atuação uma capacidade superiora de conhecimento da realidade e dos processos envolvidos que geralmente permanecem ocultos aos olhos comuns. São também descritos como sendo totalmente desprovidos de qualquer tipo de egocentrismo ou vaidade, procurando sempre servir a todas as pessoas indistintamente e evitando qualquer tipo de demonstração de honrarias ou reconhecimento. Muitas vezes são descritos como possuindo poderes incomuns como estar em mais de um lugar ao mesmo tempo, poder de cura, de transformar as emoções ou mesmo a apreensão da realidade das outras pessoas, etc.. E mais interessante: todas essas intervenções sempre buscam induzir algum tipo de aprendizado e não são feitas como uma demonstração de poder pessoal. Suas formas de atuação são precisas e sempre denotam uma compreensão dos processos envolvidos que é bastante peculiar.
Alheios a todo o tipo de exibicionismo ou de fama que as qualidades incomuns que eles apresentam poderiam acarretar, eles vivem suas vidas direcionadas a seus próprios processos de crescimento e ao ensinamento de seus discípulos. Interferem na realidade com plena consciência do resultado de seus atos e perpetuam o ensinamento de seus mestres e das tradições aos quais estão associados.
Freqüentemente, esses Mestres são descritos como tendo acesso a uma fonte de sabedoria interna. Esta fonte se expressa depois de um intenso trabalho pessoal e pode surgir associada com Kidr, o Guia Oculto do Sufismo ou Enoch, o judeu errante ou com Elias, o profeta bíblico. Muitas vezes também eles são descendentes de uma linhagem clara cujos mestres anteriores a eles estão bem documentados e seus ensinamentos registrados. Seja de que forma for, essas pessoas que se destacam fazem sempre parte de estruturas que possibilitaram sua formação e que também, atuaram ao longo de toda a humanidade, abertamente ou não, promovendo seu desenvolvimento.
Assim, podemos concluir esse tópico dizendo que não há meta mais importante que buscar pela Sabedoria e esta, em seu nível mais elevado, pode ser compreendida como sendo a própria experiência de vir a conhecer a Deus. Os homens e mulheres que, através dessa busca, atingem tal Perfeição, passam a viver num nível de realidade bastante diferenciado. Fazer parte de uma linhagem ou de uma Escola que visa auxiliar na perpetuação desse conhecimento dentro da criação é o maior Bem que há para o ser humano. "O prazer de experimentar a Deus é o maior prazer de todos e não pode ser comparado com nada mais." (Suhrawardi, obra citada)

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